sábado, 10 de setembro de 2011

Clara



Entendia pouco das coisas do coração.
Meio intransigente para explicações alheias.
Mas vivia tudo ao mesmo tempo continuamente.
Gostava de comprar penduricários e sempre se enveredava pelas ruelas da Bahia em busca de novas coisinhas para enfeitar sua casa ou seu corpo.
Tinha pernas bem torneadas e um pescoço esguio demais.
Prometia a todos o seu carinho adocicado e distribuía um sorriso escancarado e desavergonhado.
Era mulher de muitos homens.
Vermelho. Sempre vermelho nos lábios e um rosado leve nas bochechas.
Cabelos. Quase sempre soltos. Algumas vezes levemente preso por pequenos grampos cor de ouro, desses que encontramos em pequenas vendas do subúrbio, vendidos em pequenas caixinhas.
Sandálias. Altas e finas. Pequenas tiras amarradas nos tornozelos.
Ostentava seios volumosos que estavam sempre a mostra nos decotes das blusas de tecidos leves e sempre muito coloridos.
Clara.
Era esse seu nome. Clara.
Forte. Iluminado e até doce.
Ela gostava da sonoridade de seu nome dito baixinho ao pé do ouvido nas noites quentes da Bahia de Todos os Santos.
Ela um dia amara alguém.
Amara vertiginosamente um pescador da vila onde vivia sua vozinha materna.
Ela amara quando era ainda muito jovem.
Mas amores nem sempre são retribuídos.
O dela não fora e Clara sentiu dor. Sentiu pavor. Morreu um pouco a cada dia. Não quis mais amor.
Escureceu sua alma. Abriu seu corpo. Todas as partes. Para todos os homens. Seu corpo entregue aos prazeres mundanos. Suas entranhas entregues às bebidas torpes. Suas noites dormidas nos lugares todos.
Mas nunca se esqueceu de ser Clara.
Pois quase sempre quando dormimos, também acordamos.
E quando o dia é aceso, o clarear da alma é certo.
Não há aquele que durma turvo e acorde turvo.
Temos momentos de lucidez ao clarear do dia.
Clara ao amanhecer era luz intensa. Era paz divina. Era céu azul. Era um mundo de cor vagando na cabeleira solta. E girava o corpo, a mente, as dores, as flores e os amores.
Passarinho no alto gritando a beleza de poder viver.
E dentro de tudo que cabe dentro de cada um, em Clara o mundo transbordava. Vazava sentidos e sentimentos. Vazava o etílico de uma vida louca. Vazava uma Clara menina correndo pela beira da praia na beira da casa da vozinha na beira do olhar do pescador amor. Vazava a primeira entrega do seu corpo jovem demais para ser de outro que não fosse ela mesma. Vazava Clara por todos os poros e pólos.
Luzes soltas na manhã do domingo claro daquela Bahia....
Era o simples amanhecer de Clara por ali.

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